PREZADOS LEITORES

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25 de maio de 2010

A imposição do regime de separação de bens aos sexagenários



O maior de sessenta anos é, como qualquer cidadão, pessoa de direito e deveres e deveria ter a liberdade, como qualquer outro cidadão, de escolher o regime de bens de seu casamento. A imposição do artigo 1641 do Código Civil presume, equivocadamente, a incapacidade do sexagenário.
24/mai/2010
Daniella Ribeiro de Andrade Rosas
danirosas78@hotmail.com
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1. INTRODUÇÃO

O artigo 1.641 do Código Civil Brasileiro enumera o rol de hipóteses em que o regime de separação de bens é obrigatório. Diante da imposição legal, não há necessidade de pacto antenupcial.

Parte da doutrina defende a medida tomada pelo legislador que, quando da reforma do Código Civil, decidiu por manter a obrigatoriedade do regime de separação de bens aos idosos, igualando apenas a idade às mulheres e homens em sessenta anos. Qualificam-na como meramente protetiva, qual busca evitar a realização de casamentos por motivos exclusivamente econômicos.

Em contrapartida, outra vertente entende que a medida é incompatível com o princípio constitucional da isonomia e com cláusulas de tutela da dignidade da pessoa humana, da intimidade e com a garantia do justo processo da lei, previstas na Carta Magna Brasileira.

Tal norma não somente fere a Constituição Brasileira, como ainda é ineficaz quanto à proteção dos bens jurídicos tutelados, conforme se demonstra adiante.

2. OBRIGATORIEDADE DE REGIME DE SEPARAÇÃO DE BENS

As hipóteses de obrigatoriedade de regime de separação de bens estão elencadas no artigo 1.641 do Código Civil Brasileiro.

A primeira hipótese de obrigatoriedade de tal regime é a inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento. A obrigatoriedade aqui tem caráter de sanção, haja vista que, será aplicada caso um dos cônjuges, ou ambos, deixem de observar o quanto elencado no artigo 1.523 do mesmo diploma legal. Tal intervenção se justifica posto que as causas suspensivas do artigo 1.523 fundamentam-se em impedir confusão patrimonial nos incisos I e III, evitar a confusão de sangue no inciso II, assim como coibir qualquer tipo de coação moral entre tutor e tutelado e curador e curatelado no inciso IV do mesmo artigo.

Outra hipótese justificada para o regime de separação obrigatória prevista no artigo 1.641 do Código Civil é a do inciso III, qual se impõe aos que dependeram de autorização judicial para casar, dado que visa proteger os menores que ainda não tem idade para casar, nem obtiveram autorização dos pais, necessitando buscar suprimento judicial para tal. Esta hipótese tem natureza protetiva e, para garantir os direitos patrimoniais dos cônjuges, adquiridos na constância do casamento, o Superior Tribunal de Justiça passou a decidir que, desde que comprovado esforço comum dos cônjuges na sua aquisição, comunicam-se entre os cônjuges (RSTJ, 39:413; RT, 691:194; RF, 320:84).

Porém, ocorre que, no inciso II, o legislador determina que os maiores de sessenta anos, independentemente de sexo, obrigam-se ao regime se separação de bens pela simples completude da idade determinada, sem analisar nenhum outro requisito ou circunstância quanto às pessoas dos cônjuges ou a situação em que se deu o casamento. O Código Civil de 1916 também previa dispositivo semelhante, em seu artigo, porém, imposto aos sessenta anos para os homens e aos cinqüenta às mulheres.

3. DA OFENSA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA

O princípio da isonomia está consagrado no artigo 5º, caput, da Constituição Federal, “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Objetiva equilibrar as diferenças, para buscar a paridade e, também, está disperso em vários outros mandamentos constitucionais, tendo em vista a preocupação do legislador em concretizar o direito à igualdade. Os mais importantes poderiam ser citados como os que visam garantir igualdade racial (art. 4º, VIII), igualdade entre os sexos (art. 5º, I), igualdade de credo e convicção religiosa (art. 5º, VIII), igualdade jurisdicional (art. 5º, XXXVII), paridade trabalhista (art. 7º, XXXII), paridade tributária (art. 150, II), nas relações internacionais (art. 4º, V), nas relações de trabalho (art. 7º, XXX, XXXI, XXXII e XXXIV), na organização política (art. 19, III) e na administração pública (art. 37, I).

Segundo este princípio, que se estende a todos os brasileiros, a lei não pode ser discriminatória, bem como, não o pode ser a sua aplicação.

A ofensa ao princípio descrito acima, quando da obrigatoriedade do regime de separação de bens aos maiores de sessenta anos, é explícita, pois a simples condição de atingir um determinado limite de idade não pode ser utilizada como motivo suficiente para que direitos lhe sejam tolhidos.

Ora, o sexagenário é, como qualquer cidadão, pessoa de direito e deveres e, como tal, deveria ter a liberdade de escolher o regime de bens de seu casamento. Tal imposição feita pelo legislador civil presume, equivocadamente, a incapacidade de discernimento do idoso a partir dos sessenta anos.

A Lei Federal 10.741 de 2003, o Estatuto do Idoso, criou proteção especifica que busca, exatamente, proteger o idoso de discriminação em seu artigo 2º:“O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana (...)” e no artigo 4º, caput: “Art. 4o Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei.”

Entretanto, apesar da contrariedade à lei e ao dispositivo constitucional, permanece vigente o dispositivo discriminatório do Código Civil, ora abordado.

Compartilhando o mesmo entendimento, diversos posicionamentos jurisprudenciais insurgem no território brasileiro, dentre eles, ilustre julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo, relatado pelo atual Presidente do Supremo Tribunal Federal Ministro Cézar Peluso: “CASAMENTO – Regime de Bens – Separação legal Obrigatória – Nubente Sexagenário – Doação à consorte – Validez – Inaplicabilidade do art. 258, parágrafo único (atual art. 1641, CC), que não foi recepcionado pela ordem jurídica atual – Norma jurídica incompatível com os arts. 1º, III, e 5º, I, X e LIV, da CF em vigor – Improcedência da Ação Anulatória – Improvimento dos recursos. É válida toda doação feita ao outro cônjuge que se casou sexagenário, porque, sendo incompatível com as cláusulas constitucionais de tutela da dignidade da pessoa humana, da igualdade jurídica e da intimidade, bem como com a garantia do justo processo da lei, tomado na acepção substantiva (‘substantive due process of law’), já não vige a restrição constante do art. 258, par. Único, II, do CC (atual art. 1641, CC)”. (TJ/SP, Ac. 2º Câm. De Direito Privado, Ap. Cív. 007.512-4/2-00 – comarca de São José do Rio Preto, rel. Des. Cezar Peluso, j. 18.8.98, in RBDFam 1:98).

Convergente julgado pelo mesmo Tribunal:“CASAMENTO – Regime de separação de bens imposto pelo art. 258, par. ún., II, do CC – Norma incompatível com os arts. 1º, III, e 5º, I, X e LIV, da CF – Inadmissibilidade de se conferir à cônjuge sobrevivente direito em menor extensão que o previsto pela convivente – Aplicação analogia legis do art. 226, § 3º, da CF e do art. 7º, par. ún., da Lei 9.278/96. A norma estampada no art. 258, par. ún., II, do CC, não foi recepcionada pela ordem jurídica atual por ser incompatível com os arts. 1º, III, e 5º, I, X e LIV, da CF. Afastado, portanto, o regime obrigatório de separação de bens, não se justifica a aplicação do disposto no art. §1º do art. 1.611 do CC. Aplicando-se a analogia legis, não se pode conferir à cônjuge sobrevivente direito em menor extensão que o previsto em lei para a simples convivente, consoante art. 226, §3º, da Constituição da República e o que dispõe o art. 7º, par. ún., da Lei 9.278/96, que, com base na regra constitucional, confere ao convivente sobrevivo o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência familiar.” (AC nº 74.788-4/6 – 10ª CCTJSP – rel. Des. Paulo Menezes – j. em 13.04.1999 – in RT 767/224).

Neste mesmo diapasão decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “EMENTA: SEPARAÇÃO JUDICIAL LITIGIOSA. CULPA. Já se encontra sedimentado nesta Câmara o entendimento de que a caracterização da culpa na separação mostra-se descabida, porquanto o seu reconhecimento não implica em nenhuma seqüela de ordem prática. PARTILHA. SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS. SÚMULA 377 DO STF. A partilha igualitária dos bens adquiridos na constância do casamento celebrado pelo regime da separação obrigatória de bens se impõe, a fim de evitar a ocorrência de enriquecimento ilícito de um consorte em detrimento de outro. Busca-se, outrossim, a justa e eqüânime partilha do patrimônio adquirido mediante o esforço comum, e que muitas vezes são registrados apenas no nome de um dos cônjuges. Aplicação da Súmula 377 do STF. Afastada a preliminar do recorrido, apelo provido em parte. (Apelação Cível Nº 70007503766, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 17/12/2003)”.
4. DA INEFICÁCIA DA NORMA NA PROTEÇAO AO PATRIMÔNIO DO IDOSO

A norma ora apreciada, em caso de real má-fé e interesse puramente econômico, diante de pessoas tidas como oportunistas e interesseiras, demonstra-se ineficaz, haja vista que, sabedor da imposição de regime de separação de bens, o “interesseiro” poderia, simplesmente, demandar por declaração de união estável, com escolha livre de qualquer regime de bens, inclusive, de comunhão universal, mediante simples contrato ou declaração.

Poderia ainda sugerir ou exigir, em troca de convivência ou favores pessoais de qualquer natureza, a transferência de bens, através da doação e de testamento.

Ressalta-se que, nestes casos, não há nenhuma proibição ou mesmo imposição de limites quanto à idade para a prática de tais atos, devendo ser, apenas, respeitados os limites da reserva de bens ou renda suficientes a sua subsistência do doador ou, no caso do testamento, respeitada a legítima dos herdeiros necessários.

Partindo-se da premissa de que, uma pessoa ao atingir sessenta anos, possua uma situação financeira estável e continua sendo capaz de praticar todos os outros atos da vida civil como doação, compra e venda de bens, etc., da mesma maneira que o fazia quando ainda contava com cinqüenta e nove anos. Caso esse sexagenário passe a dilapidar o seu patrimônio de maneira irresponsável, sem fins úteis e prejudiciais a si mesmo, necessitando da intervenção de terceiros para sua proteção patrimonial, a legislação já poderia protegê-lo, pois o mesmo poderia ser considerado pródigo e seria passível de ação de interdição nos termos da lei, para, só aí, ter seu direito de dispor de seus bens limitados.

5. CONCLUSÃO

Diante de tudo quanto foi exposto, conclui-se que o legislador foi infeliz ao manter dispositivo em lei, contrário à Constituição Federal de 1988, posto que considera que o sexagenário é incapaz de decidir sobre seus relacionamentos íntimos e sobre a disponibilidade de seu patrimônio, interferindo na autonomia de vontade e tratando de maneira discriminatória os cidadãos pelo simples fato de atingirem determinado limite de idade, ao invés de enaltecer a experiência apreendida com o passar do tempo.

Divagando, em analogia, se a lei considera que um sexagenário não pode decidir quanto ao regime de bens a ser adotado em seu casamento, utilizando a escusa de proteger seu patrimônio, também deveria considerar que maiores de sessenta anos não poderiam figurar como legisladores, administradores públicos, ou como chefes de Poder Executivo, sob a alegação de que lhes faltará discernimento para direcionar, gerir e administrar o patrimônio público?



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de família, v.2, 14.ed, reform.- São Paulo: Saraiva, 2010.

SILVA, Sandra Reis da. A restrição quanto ao regime de bens para o casamento dos sexagenários. Publicado em 10/2006. Disponível em . Consultado em 20.05.2010 às 22h.

DIAS, Maria Berenice. Amor não tem idade. Juristas.com.br, João Pessoa, a. 1, n. 31, 18/07/2005. Disponível em: . Consultado em 20.05.10 às 22h.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

17 de maio de 2010

População idosa cresce, gera renda e recebe mais atenção das prefeituras


Entre as ações de defesa dos direitos humanos, políticas e programas de atendimento a pessoas idosas são as mais comuns nos municípios brasileiros. 60% das 5.565 cidades do país têm alguma ação voltada para esse segmento da população, informa a Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic) divulgada no Rio de Janeiro pelo Instituto Brasileiros de Geografia e Estatística (IBGE).

O percentual é superior ao das políticas e programas voltadas para outros grupos referenciais. O atendimento socioeducativo para crianças e adolescentes, por exemplo, só é ofertado em 27,8% dos municípios; combate ao subregistro civil em 24,8%; erradicação do trabalho forçado em 16,1%; plano de direitos humanos em 11,9%; políticas para egressos do sistema prisional em 5,1%; e programas voltados a lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transsexuais em apenas 2,3% das cidades.

A pesquisa não compara os dados com a faixa etária das populações locais, mas a coordenadora da Munic, Vera Pacheco, acredita que o resultado guarda relação com o envelhecimento da população e a renda de pensões e aposentadorias, importante para a economia de muitos municípios brasileiros, especialmente os menores.

“O fato da população com mais idade estar aumentando no Brasil e o fato dessa população participar da geração de renda do próprio município implica, sim, em políticas voltadas para o idoso”, disse a coordenadora, salientando que as políticas visam não só manter os idosos em atividade com garantir boa saúde para esse grupo populacional.
“O idoso que mantém a saúde em mínimas condições traz benefícios para o município”. Além de economizar com atendimento hospitalar também participam da economia municipal. “Pessoas com saúde geram renda e trabalham para o próprio município”, explica a coordenadora da pesquisa.

A Munic também levantou dados referentes à acessibilidade nas sede dos governos municipais, aspecto que interessa também aos portadores de deficiência. “A possibilidade de acesso à sede do poder público municipal é pré-requisito para a participação, em igualdade de condições, na administração pública”, ressalta o relatório da pesquisa.
Segundo a pesquisa, nenhuma prefeitura municipal no Brasil conta com todos equipamentos de acessibilidade medidos pelo IBGE, como rampa, elevadores, portas largas, sanitários acessíveis, telefone adaptado e pessoal capacitado para atendimento aos portadores de necessidades especiais.

Em mais da metade das prefeituras municipais (2.954) não há nenhum item de acessibilidade. Só há rampas de acesso para cadeirantes, por exemplo, em 1.426 sedes; calçadas rebaixadas em apenas 1.290 prefeituras; e sanitários acessíveis em 896.
Para Pedro Pontual, gerente de Indicadores da Secretaria de Direitos Humanos, a falta de acessibilidade nas sedes das prefeituras é uma “barreira descriminatória” e tem a ver com a “invisibilidade” da demanda das pessoas portadoras de deficiência. “A acessibilidade sempre foi um problema invisível no Brasil porque essas pessoas não saem de casa. E não saem de casa por quê? Porque não conseguem sair”.
Gilberto Costa Da Agência Brasil Em Brasília